sábado, 10 de janeiro de 2015

Vous êtes Charlie?



Logo de manhã, antes do primeiro roliúde,  minha consciência me perguntava: _Vous êtes Charlie? Pois é, minha consciência deu de falar em francês e me trata por vous toda cheia de cerimônias e frescuras. Ainda era cedo e fui enrolando a inoportuna: _ Eh, veja bem...
A verdade é que ando pensando em outras coisas e essa do Charlie Hebdo me pegou desprevenido. Resolvi procurar por aí quem era Charlie e quem não era. Faço isso há muito tempo quando não sei o que pensar sobre determinado tema. Por exemplo: outro dia houve um movimento de pescadores que fechou um porto em Santa Catarina. O protesto era contra a proibição da pesca de certos peixes que estariam em risco de extinção. Como não sabia a quem dar razão, se aos órgãos ambientais ou aos pescadores, fui buscar a opinião do Luis Carlos Prates. Sempre vou estar a favor do que ele é contra e vice versa. Não tem erro, o sujeito é o protótipo do fascista. Não há um só tema que eu concorde com ele, sabendo do que se trate ou não. Minha consciência fecha a cara quando apelo para essas simplificações. Mas fazer o quê? Não posso agradar toda a psique de uma vez.
No caso francês li que Jean Marie Le Pen fizera um pronunciamento dizendo que não era Charlie. Embora os cartunistas tenham sido vítimas de muçulmanos que são as vítimas preferenciais de Le Pen e de seus seguidores, que têm na anti-imigração e na xenofobia suas bandeiras mais reconhecíveis, Le Pen se manteve coerente: é contra tudo que não tenha pelo menos dois tataravós franceses.
Por sua vez os homens que assassinaram os cartunistas comungam com as idéias da direita francesa e da direita em geral quando se trata de homossexualidade, aborto, drogas, sexo, pornografia e outros temas. Até no mesmo deus acreditam.  
A esquerda que prega a laicidade do estado deu de acusar o Charlie Hebdo de abusar do direito à livre expressão, de não respeitar a religião muçulmana e de fazer pilhérias gratuitas com o profeta Maomé.
 Mas qual seria a barreira? Qual seria a linha intransponível da sátira? A sensibilidade daqueles que tratam mulheres como propriedade e que não admitem críticas à sua religião?  Num momento em que a onda racista e xenófoba cresce na França, dando inclusive reais chances de vitória ao partido de Marine Le Pen nas próximas eleições presidenciais, talvez essa linha seja o bom senso. Não dar munição aos verdadeiros inimigos da sociedade, que no caso francês é a extrema direita e não os muçulmanos e suas crenças, talvez fosse a direção correta a seguir. Mas enfim...

O único que pude dizer à minha consciência foi que tudo isso me parece um bundalelê dos diabos. Minha consciência saiu batendo a porta. _Merde.

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