segunda-feira, 20 de abril de 2015

Censura importada



Há uns meses atrás voltei a assistir Laranja Mecânica de Stanley Kubrick e me lembrei imediatamente da primeira vez que vi o filme num cinema de Belo Horizonte em meados dos 70.
Após alguns anos a obra de Kubrick fora liberada, com cortes, pela censura. Numa cena em que há sexo simulado, os pintos e xoxotas dos atores e atrizes foram cobertos com umas bolinhas pretas para que a família brasileira fosse preservada de ver aquilo que nunca vira antes. Como a cena era em velocidade acelerada, o que se via eram bolinhas alucinadas correndo pela tela. A platéia gargalhava.
Passados tantos anos essas coisas causam apenas graça e serviriam para mostrar para os incautos que vão às ruas pedir a volta da ditadura, o quanto os regimes autoritários têm de grotescos e boçais. Infelizmente a mentalidade dos que pregam golpe de estado e intervenção militar não dá para tanto. Aliás, creio mesmo que muitos deles gostariam de ver de novo a censura de espetáculos, filmes e programas de TV.
Poderíamos dizer que, por enquanto, estamos livres da censura e de outros meios de coerção da criação artística. Poderíamos, mas não devemos fazê-lo. Pelo menos eu não tenho coragem para tal. Os fatos me desmentiriam. Veja o caso do facebook.
Hoje, esse meio de comunicação serve para quase tudo. Desde as diatribes políticas até o proselitismo religioso. Passando pela difamação e divulgação de boatos que já levaram pessoas à morte. E também para divulgação artística e cultural.
O Ministério da Cultura através da Fundação Biblioteca Nacional  lançou uma coleção de fotos intitulada Brasiliana Fotográfica. Um acervo belíssimo e de grande relevância cultural. Entre as fotos há muitas dos habitantes originários do Brasil. A foto de divulgação postada na página que o Ministério mantém no facebook é de dois índios botocudos retratados em 1909, no Espírito Santo. A índia tem os seios nus e a rede social censurou a foto. Não se pode mostrar seios no facebook, mesmo que sejam de natureza artística ou documental. Eles dizem que há enormes dificuldades para diferenciar o que é cultura de pornografia e também falam de diferenças culturais. (Aqui devemos entender que diferença cultural é tudo aquilo que foge do padrão americano, branco, calvinista).Fotos de mulheres amamentando também já foram censuradas pela empresa de Zuckerberg.
Fotos e filmes de decaptações, assassinatos, humilhação de pessoas desvalidas, violência policial e outros assuntos tão caros aos americanos podem ser exibidos no facebook normalmente assim como páginas de incitação racista. Muitas delas adornadas com símbolos nazistas. (Talvez os censores do facebook tenham também enorme dificuldade em saber o que é racismo). Mas seios não podem ser mostrados. Pentelhos muito menos. Zuckerberg quer que ponhamos tarjas e bolinhas pretas não só nos pintos e xoxotas como também nos seios. Nem a censura da ditadura foi tão rigorosa quando tratava de peitinhos.


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Vaccari na CPI, Vaccari na cadeia



Em seu depoimento na CPI da Petrobrás na semana passada, João Vaccari Neto foi perguntado sobre uma visita que fizera ao doleiro Alberto Youssef. Vaccari, que não é nenhum Delúbio, não se abalou nem comprou para si a bronca como fizera o outro chefe da tesouraria do PT.
Vaccari disse que fora ao escritório de Youssef a convite deste, mas não o encontrou.  Poderia ter dito que foi visitar Youssef em busca de recursos para o partido e que faria o mesmo com qualquer outro empresário que fosse um potencial doador. Acontece que Youssef não é um empresário qualquer. É figurinha carimbada desde o escândalo do Banestado. É um famoso meliante. Transaciona com moeda estrangeira ilegalmente. Já esteve em cana por evasão de divisas.
Ora ora, Vaccari tampouco é um qualquer. É o tesoureiro, ou melhor, secretário de finanças e não sei mais o quê de um dos partidos que mais arrecada de empresas, e que está no poder, mas Vaccari quer nos convencer que Youssef o tratou como um garoto de recados e não estava no próprio escritório para receber quem convidou. Não colou.
Antes de completar uma semana de sua oitiva na CPI, Vaccari foi em cana. Os petistas dizem que a prisão era desnecessária e questionam por que só ele, entre os citados na Operação Lava-Jato por outros envolvidos, foi preso.
Os petistas têm uma certa razão, afinal todos os pilantras do PSDB, DEM, PMDB que tiveram seus nomes citados estão livres e sequer foram chamados para depor na CPI. Apenas os pilantras do PT são presos.


sexta-feira, 10 de abril de 2015

Ratos e homens



Foi Steinbech, mas poderia ter sido Dona Florinda a citada no título, pois o que vimos quinta-feira na Câmara Federal foi coisa de gentalha. Refiro-me ao pau mandado que soltou roedores no plenário da CPI da Petrobrás.Pois não há dúvida de que aquilo foi coisa encomendada.
Os mandantes (essa gentalha que se passa por elite) guardam-se para perpetrar outras infâmias e terceirizam a baixaria para continuarem posando de defensores da moral, da ética e da honestidade.
 Funcionário não concursado da 2ª vice-presidência da Câmara e ex-funcionário do gabinete de Paulinho da Força, aquela figura impoluta, Márcio Martins de Oliveira, o sujeito que soltou os roedores, foi sumariamente demitido logo após o incidente. Haverá quem acredite que o homem trocou seu emprego bem remunerado pelo dever de mostrar sua indignação com os malfeitos na Petrobrás. Muitos também vão crer que ele ficará desempregado e não será logo-logo remanejado para algum escritório político.
Mas deixemos os ratos a vamos aos homens.
 Na seção da CPI da Petrobrás de quinta-feira teve coisa muito pior que a baixaria promovida por Márcio Martins de Oliveira: o Brasil tomou conhecimento da existência do Delegado Waldir e de sua demência.
Olhos rútilos, veias saltadas e espumando pela boca, o deputado do PSDB de Goiás protagonizou uma das cenas mais patéticas dos últimos tempos. Gritou, deu murros na mesa, ofendeu e inventou números tal qual uma edição comemorativa da Veja. Ultrapassou seu tempo com a complacência do presidente (também pau mandado) da comissão para dizer asneiras e fazer perguntas imbecis ao depoente sem nada contribuir para a elucidação da roubalheira na estatal petrolífera. Por uns minutos, o circo dos palhaços habitués de CPIs (Carlos Sampaio, Onyx Lorenzoni , Darcísio Perondi) virou o hospício do Waldir.

Mas o povo de Goiás acertou quando o mandou esse óbvio psicopata para Brasília: é melhor que ele esteja no Congresso ao lado de picaretas e achacadores que comandando uma delegacia. O sujeito é perigoso.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A coisa em si



Nem vou falar do pau, apenas da coisa em si.
Contam que Dom Pedro II foi precursor entre nós. Graças a ele conhecemos algo da intimidade da família real. Logo surgiram estúdios e os mais aquinhoados compravam seu próprio equipamento.
E era assim, uns fotografavam os outros para deixar documento, para recordar uns tempos depois. As paisagens também eram fotografadas. E os animais. E o pôr do sol. Assim era até pouco tempo atrás.
Agora não. Nesses dias interessantes que vivemos o sujeito fotografa a si mesmo. É ele e a paisagem, ele e o pôr do sol, ele e ele mesmo. Uma punheta.
Para os fotógrafos atuais as pirâmides do Egito, as cataratas do Iguaçu ou os canais de Veneza não são nada sem sua presença na foto de viagem.
Antes da era digital já havia dispositivos nas máquinas fotográficas que permitiam que alguém fotografasse a si mesmo. O recurso era usado para que o fotógrafo se incluísse entre amigos e parentes na foto da data festiva, para o registro  do encontro, mas a ninguém lhe ocorria ficar pulando sozinho pra frente da câmera. Havia um acanhamento do narcisismo, um pudor do exibicionismo. Havia senso do ridículo.
Vivemos os dias dos selfies e não há feiúra que acanhe. Estão todos nas fotos que outro não tiraria. E não é preciso pedir a ninguém que as mostre; para isso existe o instagram, o facebook, o diabo. Estão lá, aos milhares, as fotos que ninguém tiraria, que ninguém pediu pra ver, que ninguém quer ver.
E tem o pau, mas como eu disse não vou falar dele. Já seria demais.


segunda-feira, 6 de abril de 2015

O uso privado do espaço público



Em artigo publicado no sítio informativo Diário do Centro do Mundo, o arquiteto Rogério Marcondes Machado fala do uso privado do espaço público. Trata  de algo que tornamos natural e que já nem reparamos: o uso das vias como estacionamento de veículos.
Quase todas as ruas e avenidas de nossas cidades estão tomadas por carros estacionados, muitas vezes nos dois lados ou em fila dupla. Se a rua não é das mais largas o espaço ocupado por carros aparcados é maior que o de rodagem.
Se alguém fizesse tal ocupação do espaço público com um sofá e cadeiras e ali acomodasse amigos e parentes para um bate-papo ou usasse da rua para quarar a roupa lavada, certamente provocaria a ira dos vizinhos e demais passantes. A força policial seria chamada para desobstruir a via. Com os carros isso não se dá. Parece que existe alguma lei que diz que é direito inalienável dos motoristas estacionarem onde bem entendem.
Na minha cidade tal coisa não acontece, pois eu vivo em Garopaba, Santa Catarina, no sul do país. Aqui a colonização européia deixou as marcas indeléveis de uma civilização superior. Na minha cidade ninguém estaciona ao longo das ruas. Não, aqui os motoristas estacionam em cima das calçadas. Mesmo que as ruas estejam desertas de carros, os motoristas colocam seus bólidos sobre as calçadas. Se em frente ao local onde o sujeito deseja ir há espaço para estacionar uma jamanta trucada, não interessa: o carro vai pra calçada com as quatro rodas. De preferência na sombra, se há sol ou sob marquise, protegido da chuva.
Os comerciantes, também adeptos e entusiastas da prática, pintam faixas amarelas sobre as suas calçadas (sim, eles acham que as calçadas são suas) e colocam plaquinha: “Estacionamento exclusivo para clientes”. Esses vendeiros não só determinam que a calçada é estacionamento como também quem pode usá-lo em frente aos seus negócios. Carrinhos de bebê, cadeiras de rodas e pedestres que se virem. Para usar a calçada há que se ter um carro e ser cliente de alguém.
Acrescente-se ao problema o tamanho dos carros que a cada dia são maiores e não há novo rico que se preze que não tenha sua 4X4 cabine dupla com varanda gourmet e quadra de tênis. Não há calçada, por mais larga que seja, que os comporte.
O poder público local certamente apóia o uso das calçadas como estacionamento. A polícia não multa ninguém e ninguém reclama.

 A usurpação do que é público por particulares só gera questionamentos e revoltas quando os “usurpadores” são flanelinhas ou camelôs que tentam ganhar a vida no espaço que pertence a todos. Para esses há a mão pesada da lei.

domingo, 5 de abril de 2015

Os escrotinhos



A moça você conhece. Era blogueira do Globo e tentava a carreira de escrotinha profissional. Em seu blog Silvia Pilz esculachou pobres e negros para deleite do seu público composto pela classe média imbecilizada. Mas uma coisa Silvia não sabia: para ser escrotinho há que se ter foco, escolher como possíveis esculachados os mais frágeis econômica, racial e socialmente. Silvia além de escrotinha é burra e num texto no qual há a pérola “Todo mundo quer ser branco e ter os olhos claros” ela passou do ponto esperado por seu público escrotinho e falou de maneira escrota das crianças com síndrome de Down.
A falta de experiência no universo escrotinho fez com que Silvia não se desse conta que a síndrome de Down não escolhe classe social nem raça. Que entre seus leitores e fãs poderia haver pessoas que fossem pais ou parentes de portadores da síndrome. Foi seu fim. Seu blog já não está sob a bandeira dos Marinho. Sua trajetória pública como escrotinha foi curta.
Do outro lado da linha há os escrotinhos de larga data.
Há décadas, Luis Carlos Prates milita do ramo da escrotidão. Ele é um precursor, um baluarte desse modo de ser, mas estava confinado aos canais de TV e jornais de Santa Catarina e seu destino era ser um escrotinho de província como tantos outros. Isso antes do fenômeno da Internet e das redes sociais.
Com o advento desse meio de comunicação Prates ganhou o Brasil e pode ser visto em dezenas de vídeos no Youtube. Sua capacidade ilimitada de dizer estupidezes vem ganhando admiradores. O alvo preferencial de seus mais iracundos comentários são os pobres e qualquer pessoa que não admire a ditadura. Esses últimos merecem dele a expressão “esquerdistas pútridos”. Para aqueles ele exige que não procriem.
Num comentário recente, Prates, que se diz psicólogo de formação, resolveu atacar os depressivos. Chamou-os de covardes existenciais e disse que devem ser execrados e desprezados. Acho que dessa vez Prates forçou a mão. Não creio que seja o fim de sua carreira como escroto televisivo, mas certamente perderá alguns seguidores entre os escrotinhos mais sensíveis.
Se Silvia Pilz fazia o gênero escrotinha cínica pós politicamente correto e Prates o escroto sargentão histriônico, Cláudio Tognolli prefere o tipo escrotinho liberal politizado. Seu campo de ação é vasto e seu público está em ebulição.
Tognolli é co-autor da biografia de Lobão (quer coisa mais escrota?) e adora dar furos e notícias bombásticas no seu blog hospedado no Yahoo. Como bom escrotinho que é, tem mania de conspirações e ações secretas que o resto de nós ignora e seus fiéis leitores compartilham aos montes pelas redes sociais.
Assim como Silvia, Prates e demais escrotinhos, Tognolli adora escrachar pobres. Para os beneficiários do Bolsa Família e eleitores do PT ele cunhou a expressão “raspa-pratos”. Ele sabe que para ser escrotinho nos dias de hoje há que se mostrar ódio pelos miseráveis e pelos que, vindos da pobreza, ascendem socialmente.

Nas manifestações de rua, jornais, TVs e redes sociais os escrotinhos são os que mais se destacam e a cada dia somam mais adeptos. Ser escrotinho está na moda.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

O estatuto da chibata e do pelourinho



Quem pede, apóia, vota e aprova a redução da maioridade penal não está pensando na diminuição da violência. O discurso é apenas para conseguir a adesão dos cidadãos que já foram adestrados para isso pelos Datenas, Ratinhos e Rezendes da TV.  Portanto não há que se gastar argumentos lógicos para demover essa gente do propósito nefando de mandar meninos e meninas infratores para a cadeia sem dar-lhes ao menos uma chance de reabilitação.
De nada adianta dizer que o sistema penitenciário como está é uma escola do crime e que, embora baixíssima, a recuperação nas casas que abrigam jovens em conflito com a lei é muito maior que nas penitenciárias.
De nada serve argumentar que os crimes violentos cometidos por menores de idade representam um percentual ínfimo no quadro geral da violência.
O que essa gente quer é punição. Nossa sociedade, moldada na escravidão e no castigo físico, é saudosa de chibatas e pelourinhos.
Segundo alguns deputados a lei votada e aprovada na CCJ, que reduz a maioridade penal para 16 anos, deverá ser aprovada em plenário apenas para os crimes hediondos. Ou seja: não satisfará aos capitães do mato dos dias de hoje nem aos apresentadores de programas sangrentos de TV que certamente continuarão vociferando pelo castigo máximo para qualquer delito. Uma corrente, que no congresso é encabeçada pelo senador Magno Malta, advoga pelo encarceramento em qualquer idade. Para Malta e sua malta se um menino de sete anos dispara a arma do pai acidentalmente e mata alguém, ele deverá responder por homicídio culposo e, se condenado, ir cumprir pena numa penitenciária.
Claro que já esperávamos o coice e os relinchos de Malta, é de sua natureza, mas entre os que aprovaram na CCJ a lei hedionda está o Partido Verde que um dia quis ser a coisa mais moderninha do país.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Ditadura nunca mais



O teatrólogo Dias Gomes contava que certa vez teve de ir à Brasília para tentar, junto à censura, liberar uns capítulos de uma novela que escrevia para a Globo e que haviam sido vetados.
O censor entregou-lhes as páginas rabiscadas e carimbadas com a palavra “censurado”. Dias Gomes as leu e ponderou que nada havia ali para ser censurado. Era uma cena de amor entre os protagonistas do folhetim. O censor não se deixou convencer e argumentou que o que estava escrito não era mesmo censurável, mas sim o que o escritor pensara ao escrever as cenas.

O cara tinha o poder de censurar o pensamento.

Ditadura nunca mais



Muita gente ficou abismada com as entrevistas dadas pelos manifestantes do último dia 15 postadas nas redes sociais. Poucas vezes se ouviu tanta besteira. Mas, verdade seja dita, houve coerência, afinal o regime que eles defendem também se manifestava dessa maneira.
Além da brutalidade e do arbítrio a ditadura se notabilizou pela extrema ignorância tanto de seus mentores como de seus agentes.  O folclore é extenso.

No Rio, um cidadão foi preso pela posse do livro “A capital”, de Eça de Queiróz. O delegado que comandava o operativo confundiu a obra do português com “O capital”, de Karl Marx. Em Juiz de Fora (MG), uma família inteira foi presa por ter em sua casa uma bíblia escrita em russo.  O Balé Bolshoi foi proibido de se apresentar no Brasil depois de contratos assinados e viagem marcada. O deputado Chico Pinto foi cassado por chamar o general Pinochet de carniceiro. Joan Baez também não pode se apresentar no Brasil.