sábado, 26 de setembro de 2015

Ao rancor, um pires de leite pela manhã



A frase era bonitinha e apareceu no facebook várias vezes. Tal qual uma personagem de romance eu tratava de dar um rosto, um corpo, uns modos à frase. Não a quem a dissesse, mas à própria frase. A composição foi simples: meti-lhe uns tênis nos pés e uma goma de mascar na boca. Dei-lhe também uma pele bronzeada e as devidas marquinhas da alça do biquini. (Sempre gostei das marquinhas e hoje tenho obsessão por elas. Acho que se lesse os Irmãos Karamazov por primeira vez nesses dias, minha Grushenka teria marquinhas de biquini). Matriculei-a num cursinho e comprei pra ela, muito a contra gosto, um smartphone. A frase era obviamente adolescente.
Já vestida e sem largar o maldito smartphone já posso lhe apresentar a frase. Ei-la: “Eu não guardo nem dinheiro, pra quê vou guardar rancor.” Ora, querida não há motivo para que você guarde dinheiro. Os tênis, o smartfone e seu tempo livre para a praia eu já lhe dei. Pago a mensalidade do cursinho e quantas gomas de mascar você puder botar na boca. Mas quanto ao rancor, guarde-o. Não ande por ai desperdiçando sentimentos, principalmente os de forte teor alcoólico e humano.
Guarde seu rancor e trate-o bem. Dê-lhe vodka, cachaça, vinho barato, muitos cigarros e um pires de leite pela manhã.Crie o rancor em estreita amizade com seu primo mais velho, o ódio e verá que eles combinam e tramam. Fique sendo apenas “eu não guardo nem dinheiro” e poderemos ser amigos.
Só quem cultiva robustos rancores é capaz da verdadeira gratidão assim como só os que odeiam fortemente são capazes de amar até as últimas conseqüencias.

O ódio, de tanto beber, é bem capaz de morrer jovem, mas o rancor não. Ele pode sobreviver até mesmo a você e talvez seja seu único e derradeiro amigo. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Caça ao menino negro







O PSDB governava e o PT fazia oposição. Durante os 8 anos de FHC (os últimos 4 comprados em moeda forte) não houve um só episódio de agressão de simpatizantes tucanos, embora as medidas tomadas por aquele governo fossem totalmente contrárias ao ideário petista. (As privatizações, por exemplo). Nenhum episódio de ódio explícito, como os que agora assistimos, foi registrado.
Enquanto a canalha tucana governou para os bancos e o grande capital, a classe média assistiu impavidamente sem soltar um piu. Não faltavam manchetes de Veja e outros meios "insuspeitos" denunciando corrupção e manobras das mais sujas. O que era apurado pela polícia dormia na gaveta do Procurador Geral da República.  Havia muita coisa para indignar-se, para bater panelas, para fazer manifestações, mas quem hoje assume ares de paladino da moral e da boa governança nada viu. Ou melhor: viu sim, mas como não havia favelados no shopping nem negros nas universidades nem direitos trabalhistas para as empregadas domésticas, tudo parecia em paz. Não havia motivo para manifestações. Foi só o povo pobre receber algumas ínfimas migalhas, algum reconhecimento pelo seu lavor na forma de um salário mínimo um pouco menos infame, alguma dignidade e pronto: a revolta se espalhou.

Não, não é contra a corrupção que as panelas bateram nas varandas gourmet, foi contra os pobres, contra o fim de alguns poucos privilégios. As panelas, agora mudas, pois passou a modinha, se transformaram em porretes nas mãos de playboys de academias. Do alto dos prédios protegidos por grades e alarmes anti-pobre o espetáculo da caça ao menino negro poderá ser acompanhado pela gente de bem. Já não precisarão bater panelas apenas sacudirão as cabeças em histéricas gargalhadas de delírio por mais um linchamento. O ruído será o mesmo.

A serpente chocou o ovo do fascismo


 Os cartazes afixados nas ruas de Niterói, os justiceiros bombados que, sob o olhar complacente da polícia, invadiram ônibus para caçar jovens dos subúrbios, a PM carioca pondo em prática o apartheid social tão grato à classe média da zona sul, a agressão a João Pedro Stedile, os justiçamentos e, é claro, as manifestações nas redes sociais contra pobres, índios, negros, gays e favelados não deixam dúvidas: estamos imersos no mais espesso fascismo. Não é um ataque de conservadorismo puro e simples. É fascismo mesmo. Não é só um grupo isolado nem apenas a oposição golpista que trabalha para que isso se dê; é toda a sociedade ou, pelo menos, a maioria de nossos concidadãos.
Poderia chamar de inocentes úteis os que aderem a esse chamado ao ódio por pura ignorância ou medo, mas não posso chamar de inocente quem marcha ao lado de Bolsonaro, Caiado, Malafaia e Feliciano. Não posso nomear como ingênuo alguém que  finge uma enorme repugnância pela corrupção, mas bota falsos dependentes na declaração de imposto de renda. Posso sim chamar de burro e isso faço. São os burros, os néscios, os cretinos os que agrediram Stedile. São massa de manobra do latifúndio e nem sequer têm um quintal de terra.
Posso e vou chamar de estúpidos os que vão atrás do trio elétrico do pastor homofóbico defender a família brasileira. Defender contra o quê? Ora, contra o casamento, as saias e o cu dos outros.
Permito-me chamar de boçais os que apoiam a polícia nos assassinatos nas favelas, o genocídio dos índios, os espancamentos de travestis. Quem, sorridente, tira selfies com a tropa de choque nas manifestações. Nomeio, porque quero, de cúmplices os que se dizem chocados com os arrastões nas praias do Rio e silenciam sobre a chacina de 19 pessoas na periferia de São Paulo.
Vou tratar por hipócritas os que condenam o bolsa família e não abem mão da carteirinha de estudante. E nem são estudantes!
Alcunho de trogloditas os que nada sentem pela morte de mais um menino pobre pelas patas dos defensores de seus privilégios. 



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O financiamento e os revoltados



O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o financiamento de partidos e candidatos por empresas. A decisão deveria ser comemorada por todos, mas não é assim. Na minha página do facebook estou estranhando a falta de postagens de revoltados e paneleiros. Supostamente essa gente indignada com a corrupção deveria estar aplaudindo a decisão do STF, mas não. Nem uma postagenzinha, nem uma piadinha, nem uma charge da Dilma ou do Lula.
Acontece que o tema do financiamento privado de campanhas não faz parte da agenda dos indignados de fim de semana. Sua revolta agora é contra a CPMF que pode ser reeditada e, é claro, contra o governo comunista do camarada Levy e da companheira Kátia Abreu.
Talvez o fato de a decisão emanar do judiciário e não do executivo tenha deixado essa gente um tanto perplexa. Seus líderes e gurus nada dizem. O que pensará Constantino? E o astrólogo, o que terá visto no zodíaco que o emudeceu? E Fábio Júnior, já emitiu nota aos meios de comunicação explicando sua visão sobre o tema? Não, ainda não há sinal de fumaça.



domingo, 13 de setembro de 2015

A mais pura demagogia



Nesses dias interessantes que vivemos a palavra demagogia só é usada quando algo é feito em favor do povo pobre. Para os comentadores da internet, bolsa família é demagogia, cotas nas universidades também. Defender os direitos de favelados, gays e negros então nem se fala. No entanto quando a mais pura das demagogias é esfregada nas fuças dessa gente comentadeira e burra ela não percebe. Veja o caso da redução da maioridade penal.
A classe média (e os que aspiram sê-lo) comprou o discurso da bancada da bala e dos apresentadores de programas policialescos que pregam que a simples redução inibirá os jovens de praticar atos infracionais por medo à punição. Como se as casas que abrigam hoje os menores infratores fossem alguma disneylândia. É uma medida inócua e demagógica que só serve para enganar pascácios e satisfazer os desejos sádicos de alguns de nossos concidadãos saudosos de chibatas e pelourinhos. Mas tem pior.
Desde que iniciou seu pontificado o papa Francisco tem se notabilizado pela mais óbvia das demagogias. Primeiro foi a caso dos guarda-chuvas doados aos sem teto. (Guarda-cuvas esquecidos pelos visitantes do Vaticano é bom que se diga). Depois foi o passeio organizado para que os mendigos de Roma conhecessem as belezas da Capela Sistina e outros tesouros artísticos da Santa Sé. Previamente ao passeio foi oferecido aos miseráveis um banho higienizador do lado de fora, é claro, e uma merenda.

Agora são os refugiados que merecem a atenção do Sumo Pontífice. Francisco orientou as paróquias para que cada uma delas receba 1 (uma)  família de refugiados. As duas paróquias existentes no próprio Vaticano vão receber 2 (duas) famílias. Pois é. Parece que ninguém notou a desproporcionalidade entre a caridade papal e o número gigantesco de refugiados. Não há críticas, não se ouvem vozes contra essa deslavada demagogia. Todos parecem crer que as orações e os discursos proferidos por Sua Santidade sobre os que fogem do inferno da guerra e da fome já são suficientes. Não são.
A Igreja Católica poderia fazer bem mais que acolher uma família de refugiados por diocese. Com sua capacidade de mobilização, com suas finanças, com sua capilaridade poderia e deveria fazer bem mais. Mas não fará nada além de discursos e chamados à paz universal da qual ela mesma descrê.