sábado, 26 de setembro de 2015

Ao rancor, um pires de leite pela manhã



A frase era bonitinha e apareceu no facebook várias vezes. Tal qual uma personagem de romance eu tratava de dar um rosto, um corpo, uns modos à frase. Não a quem a dissesse, mas à própria frase. A composição foi simples: meti-lhe uns tênis nos pés e uma goma de mascar na boca. Dei-lhe também uma pele bronzeada e as devidas marquinhas da alça do biquini. (Sempre gostei das marquinhas e hoje tenho obsessão por elas. Acho que se lesse os Irmãos Karamazov por primeira vez nesses dias, minha Grushenka teria marquinhas de biquini). Matriculei-a num cursinho e comprei pra ela, muito a contra gosto, um smartphone. A frase era obviamente adolescente.
Já vestida e sem largar o maldito smartphone já posso lhe apresentar a frase. Ei-la: “Eu não guardo nem dinheiro, pra quê vou guardar rancor.” Ora, querida não há motivo para que você guarde dinheiro. Os tênis, o smartfone e seu tempo livre para a praia eu já lhe dei. Pago a mensalidade do cursinho e quantas gomas de mascar você puder botar na boca. Mas quanto ao rancor, guarde-o. Não ande por ai desperdiçando sentimentos, principalmente os de forte teor alcoólico e humano.
Guarde seu rancor e trate-o bem. Dê-lhe vodka, cachaça, vinho barato, muitos cigarros e um pires de leite pela manhã.Crie o rancor em estreita amizade com seu primo mais velho, o ódio e verá que eles combinam e tramam. Fique sendo apenas “eu não guardo nem dinheiro” e poderemos ser amigos.
Só quem cultiva robustos rancores é capaz da verdadeira gratidão assim como só os que odeiam fortemente são capazes de amar até as últimas conseqüencias.

O ódio, de tanto beber, é bem capaz de morrer jovem, mas o rancor não. Ele pode sobreviver até mesmo a você e talvez seja seu único e derradeiro amigo. 

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