segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Gentileza gera gratidão





            Eu conheci o Gentileza. Foi no final dos 70 ou começo dos 80, na Cinelândia. Lembro bem de um dia em que estivemos mais próximos. Era uma tarde ensolarada e eu estava feliz. Talvez estivesse apaixonado ou algo que o valha. Provavelmente estava apaixonado. Já o tinha visto muitas vezes e o catalogado como um desses maluquinhos que abundam nas grandes cidades.
           Nesse dia de que falo Gentileza me deu uma flor. Agradeci com meu melhor sorriso e ele veio com aquele papo de que não se deve dizer obrigado e sim agradecido e blá blá blá. Lembro do sentimento que experimentei naquele momento e que venho experimentando vida a fora com relação à humanidade: decepção. Por que o cara não podia receber um muito obrigado e pronto? Ele bem sabia que eu estava grato pela flor, então pra quê a frescura semântica? Como disse eu já tinha catalogado Gentileza como um maluquinho a mais e deixei pra lá.
           Naquele tempo os maluquinhos urbanos não me provocavam nenhuma simpatia. Pra dizer  a verdade não me provocavam nada. Eu tinha minha vida e minhas paixões e os maluquinhos faziam parte da paisagem.
           Já maduro é que comecei a ter simpatia por maluquinhos. Afinidade, talvez. Coincidiu com minha precoce caduquice o lançamento da música sobre Gentileza cantada por Marisa Monte. Eu quase que ia simpatizando com Gentileza não fosse o negócio do agradecido. Acontece que depois da popularização de Gentileza e de sua "filosofia" muita gente deixou de dizer obrigado. Como é de costume os seguidores de malucos querem ser mais reais que o rei e de agradecido para gratidão foi um pulo.
           Confesso que quando leio ou escuto gratidão querendo significar obrigado, minha vontade é de arrancar os pentelhos. Acho o cúmulo da babaquice. O sujeito fala gratidão e já o imagino comendo um bife de soja com tofu. Um namastê ambulante.
           Sobre Gentileza li hoje uma matéria na qual a Heloísa Seixas conta sua experiência com ele. No relato não há nada de gentileza. Escreve Heloísa que o auto-intitulado profeta assediava as moças que passavam por ele na Praça XV, a caminho das barcas, usando mini saias, batom ou mesmo calças compridas dizendo que iriam para o inferno e outras delicadezas. Tudo aos gritos e em tom ameaçador. Chegava mesmo a correr atrás de suas vítimas. Muitas outras mulheres comentaram a matéria da jornalista contando coisas semelhantes. Era isso: o cara era um fanático religioso, um fundamentalista que entrou para a história do Rio como um pregador do bem e do amor ao próximo. Isso acontece. Sua frase famosa "gentileza gera gentileza" não está mal. Acho até que a subscreveria mesmo sabendo que o que Gentileza gerou, além de terror nas moças, foi uma chatice linguística.

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