quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Para as futuras gerações



III


Deixo a fome de bola
e uma receita de carne de panela

Deixo as passeatas, os comícios
e a orquestra de Severino Araújo

Deixo minha bicicleta, meu rádio, minha chave de fenda
garrafas vazias e recortes de jornal

Deixo o carnaval em plena quarta-feira
as travestis da Lapa e as putas da Praça Mauá

Deixo os livros de minha formação
o tesouro da juventude e o almanaque Capivarol

Deixo as peladas de rua e muitos gols que não fiz
um passarinho fujão e a gaiola que continha seu voo

Deixo as noites quentes de desejos
o Elite, a Estudantina, o bloco de sujos

Deixo a embriaguez da cachaça, a ressaca
a água tônica, a cibalena e o sonrisal

Só não deixo saudades
Essas levo como única bagagem.










quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Decorativo e mal pago





            Michel Temer foi até um certo momento o que se espera de um vice-presidente: um sujeito publicamente discreto. Nos bastidores ele movia seus pauzinhos para nomeações e outros acertos como cabe a qualquer pemedebista que se preze, mas mantinha prudente distância dos microfones e holofotes.
            A imprensa brasileira que estava necessitada de um herói de ocasião depois que seu eleito, Eduardo Cunha, usufrutuário confesso, caiu na boca do povo, resolveu tirar Temer da decoração. Deu-lhe corda e algumas capas nas revistas semanais. Bastou. Picado pela mosca azul, Temer desandou. Contrariando a imagem de político sério e compenetrado que se tinha dele, escreveu uma cartinha para a presidenta. Num típico chororô de dor de corno reclamou, entre outras coisas, do papel decorativo a que fora relegado pela mandatária. Mas o que queria Temer? As luzes da ribalta? Ser jurado do Master chef? Finalista do The Voice Brasil?
            Para que um vice seja protagonista há que haver morte ou desgraça política do titular, o que, diga-se de passagem, não é tão incomum na história recente do país, mas tanto no caso de Tancredo como no de Collor os vices esperaram pelos fatos sem escrever cartinhas nem chorar as pitangas. Se para Sarney e Itamar o prêmio pela discrição e performance decorativa foi a faixa presidencial, para Temer só sobrou o prêmio de "Brasileiro do Ano" da revista Isto É.
            Temer, que tinha como única serventia ser decorativo, tornou-se um estrupício palaciano. Os golpistas de primeira hora vão deixando  o barco furado do impeachment e só Mainardi, Merval e outros pré-pagos vão continuar falando do assunto. Temer vai ficar sozinho nas imensidões do planalto tendo de suportar, até 2018, aquele jeito doce de ser de Dilma. Era melhor ter recebido o prêmio da "Casa e jardim".
         



segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Brincando com números





            Não requer prática nem habilidade. Qualquer criança brinca, qualquer criança se adverte. Até o pessoal da Globonews sabe manipula-los, E olha que lá trabalham a Leilane Neubarth e o Luciano Cabral. Mas os números, apesar de seu potencial de danos, ainda são os brinquedos favoritos das emissoras dos Marinho.
             Ontem, foi a vez de Dony de Nuccio, apresentador do Jornal das 10, trocar o vídeo-game pela matemática para mostrar mais um número negativo do governo. Citou fatos acontecidos há 18 anos para falar de um determinado índice criado no distante 1997 e salientar que é o pior desempenho mensal dessa medição desde sua criação. Não citou outros fatos econômicos acontecidos naquela data para contextualizar a critica e sim fatos jornalísticos banais como a mordida que Mike Tyson deu na orelha de Hollyfield e outros que tais. Claro, de Nuccio e seus patrões e editores gostam de brincar e a orelha de Hollyfield serviu para o fim desejado: dar aos telespectadores do jornal sua ração diária de alfafa com uma pitada da irrefutabilidade dos números. De Nuccio estava contente que nem menino que tirou 10 na prova.















           

Aldravias VIII





Desde
onde
me
encontro
anseio
abismos





Aldravias XII





Se
é
livre
voa
vive
volta





domingo, 27 de dezembro de 2015

Você quer se casar comigo?





            Todos já assistimos nos filmes e séries americanos, não sem experimentar um certo mal-estar, a cena em que o rapaz com um dos  joelhos no chão e tendo na mão uma caixinha com um anel, pede a mocinha em casamento. A pantomima que tenta ser romântica, só consegue ser cafona e, muitas vezes, conforme a pinta do pedinte, grotesca.
            Essa moda boba é coisa mais ou menos recente. Quando Hollywood tinha um mínimo de dignidade e bom gosto, o pedido de casamento dos personagens era feito num jantar a dois, num passeio de charrete ou numa festa sob a luz da lua, mas nunca com o joelhinho no chão e cara de babão. Claro, isso acontece mais nas comédias românticas e séries para adolescentes de 40 anos, mas foi na vida real que virou moda.
            Como não podia deixar de ser a moda debiloide já está entre nós. É natural, afinal só importamos da terra de mailboro o que há de mais estúpido, patético e ridículo. O youtube está cheio de vídeos com os tais pedidos, quase todos falados com R carregado, música de fundo e figurino de festa de formatura. Não faltam nessas ocasiões os filmadores com seus românticos celulares para registrar aquilo que pode vir a ser fonte de grande arrependimento se os protagonistas, algum dia, amadurecerem.
            Outro dia, foi a vez de uma figura pública receber um pedido de casamento à moda teatro mambembe. Foi a Thaisa, central da seleção brasileira de vôlei. Seu noivo surpreendeu-a na quadra após um jogo em que a atleta atuou. Dessa vez, além do joelhinho no chão, o galã usou um microfone para anunciar para a torcida sua íntima intenção. Entre os gritinhos e pulinhos das companheiras,  Thaisa aceitou. Nunca saberemos se por estar convicta que quer dividir a vida com semelhante estrupício ou se por constrangimento.





         


         
           

Para as futuras gerações II





Deixo os arrepios que me tomam 
nos primeiros acordes da Internacional

Deixo as fotos que rasguei
no dia que pensei que esqueceria

Deixo todas as ilusões de felicidade
as mágoas e os rancores que tenho cultivado

Deixo os sapatos cambaios das longas caminhadas
o pó das ruas e as pedras do meio-fio

Deixo o medo da morte e o enfaro da vida
todas as covardias, todos os pecados

Deixo uma resma de arrependimentos, uma falange de remorsos
um atilho de dores sufocadas.







Aldravias X





Nós:
o
poema
que
não
escrevi





sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Aldravias V





Teu
sorriso
lago
Meu
coração
procela




Aldravias III





Sonho
A
morada
do
amor
impossível






A gostosa e o canalha





            É fim de ano, época de mensagens ternurinha. Elas, que só vinham em forma de cartão cafona até pouco tempo, agora ganham as redes sociais. Muitas vezes as ilustrações que acompanham as mensagens virtuais são tão cafonas quanto os cartões de antigamente, com os mesmos brilhinhos e bochechas rosadas. Parece que a bondade que se quer destilar nesses dias de festas tem de ter purpurina, pisca-pisca e bochechas rosadas. Mas isso é outro assunto.
            O que queria dizer é que algumas mensagens dizem coisas bonitas e até úteis. Uma que vi ontem, dizia que para o ano que vai chegar devemos buscar mais as coisas que nos une do que as que nos separam. E é verdade, afinal se formos olhar bem para aqueles que parecem ser nossos inimigos e adversários, encontraremos muito mais semelhanças conosco do que pensamos.
             Veja o caso das feministas e dos fundamentalistas religiosos. Parecem muito diferentes e no entanto dividem pensamentos e formas de ver o mundo. Basta aparecer uma mulher gostosa de biquini na propaganda de cerveja que esses grupos, aparentemente tão díspares, se unem para uma condenação unânime e inflamada. Tanto as feministas quanto os pastores têm uma ideia preconcebida de qual deve ser o papel da mulher na sociedade e nessa visão não cabe a exposição do corpo para ganhar uma grana. Ambos quando veem uma mulher gostosa vendendo cerveja, veem um desvirtuamento do sagrado corpo feminino.  E em mais uma mostra de coincidência no pensar e agir, tanto umas como outros negam qualquer direito de opinião sobre o tema às gostosas envolvidas.
            Parentescos de pensamento também unem os políticos de diversas correntes. Nesse caso é o canalha quem os une. Dependendo de que lado está o canalha esse será remisso e aplaudido pela facção que o cooptou. Na madrugada passada, enquanto admirava os manjares da mesa alheia estampados na página do facebook, me deparei com uma coluna noticiosa em que Renan Calheiros, que, supostamente, opôs-se ao inominável presidente da Câmara, era nomeado como aquele que, por sua fidelidade à presidenta e grandeza de estadista, evitou catástrofes ainda maiores na política nacional. (Bem, ele não usou exatamente essa palavras, mas estamos em época de sidra e exageros, assim que permita-me a licença poética). Li estupefato o elogio numa página que se quer de esquerda e que apoia, desculpa e louva as realizações do governo. Mesmo tendo como exemplo a recente queda do inominável canalha que por canalhice e oportunismo fazia oposição, quem escreveu o artigo não se acanhou em insinuar que o canalha dele era melhor que o canalha dos outros. Esqueceu-se o articulista que a alma canalha bota preço na fidelidade e, mais cedo ou mais tarde, vai cobrar a conta. Mas aí também a canalhice será o ponto de convergência.




A lei de Gerson







O Gerson fumava. Naquela época não era nenhum bicho de sete cabeças que um jogador fumasse. O Canhota fumava roliúde. Todo mundo sabia. Conta a lenda que  havia treinadores que esperavam o Gerson ir ao banheiro fumar um cigarro no intervalo dos jogos, para só depois dar as instruções para o time.
Uns dois anos depois da Copa do México, onde brilhou, Gerson continuava com seu prestígio intacto e foi convidado para estrelar um comercial de TV. Era o comercial dos cigarros Vila Rica. A peça publicitária fazia crer que Gerson havia trocado o roliúde de sempre pelo novo Vila Rica, mais barato, mas com igual sabor, segundo a propaganda. A vantagem estava no preço. O Canhota perguntava ao telespectador: _”Pra que eu vou pagar mais caro se meu Vila me dá o que eu quero?” E concluía conclamando que outros fumantes o acompanhassem na troca vantajosa: _”Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?”
Tempos depois alguém concluiu que aquele comercial apelava para uma característica de nosso povo: o oportunismo. Começaram a chamar essa mostra de mau-caratísmo, que está longe de ser um produto genuinamente brasileiro, de lei de Gerson. Foi parar na conta do craque um texto que ele jamais escreveu, uma concepção de vida que ele nunca teve.
Poderia apostar que assim como quem escreveu o texto da propaganda do Vila foi um publicitário, foi outro que inventou a tal lei. É que publicitário não consegue ver algo sem por legenda, sem conceber um mote.
 Hoje, quem nunca viu Gerson jogar ou nem mesmo sabe de quem se trata, repete diante de qualquer mostra de oportunismo ou de algo ruim que lhe dizem ser típico de brasileiro: _ Lei de Gerson. Ao complexo de vira-latas juntou-se o mote fácil, a frase feita e pra pronto consumo.  Irresistível.
Tantos anos se passaram desde aquele comercial e nada de deixarem o craque dos lançamentos geniais em paz. Por que não procuraram saber o nome do publicitário que escreveu o texto do comercial para darem seu nome à “lei”?
Tenho certeza de que a maioria dos que usam o termo não conhece sua procedência. Por isso vale lembrar: era só um comercial de cigarros e o Gerson apenas era o “garoto propaganda” que dizia o texto e não seu autor. Nada mais. 




Aldravias II





Persas
gregos
otomanos
Todos
te
conquistaram






quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Para as futuras gerações





I

Deixo a praia que ficou deserta e muda
e já não canta com sua voz de maresias e gaivotas

Deixo aquela tarde quente de azuis e sonhos
que jamais anoiteceu

Deixo o aroma de uns cabelos louros
recendendo a mar e juventude

Deixo a lembrança do filme e sua canção que cantarolo
cada vez mais baixinho.

Deixo a amizade dos rapazes de Belo Horizonte,
e os amores das moças do Rio

Deixo a palavra plangente que tanto amo
e todos os poetas mortos e por nascer

Deixo os passos de dança que ensaiei
para a festa que não houve

Deixo um eclipse e uma tormenta
que rasgaram o céu quando céu havia

Deixo a carta de amor, os versos trôpegos
a canção dos anos felizes

Deixo secretas paixões e amores explícitos
todos envoltos em nunca mais.




Papai Noel





            Acho que acabei entendendo esse negócio de Papai Noel. O velho lapão que veio para premiar os bons e negar presentes aos insubordinados, preguiçosos e incompetentes caiu como uma luva nas comemorações da festa cristã. É uma espécie de contrapeso para a mensagem de amor incondicional que a data pode gerar nos corações e mentes obliterados pela sidra e pelo arroz com passas. Papai Noel existe para que o Natal não fique, como diria o pensador Alexandre Frota, muito viadinho. Ele é uma espécie de polícia do bom comportamento, um juiz da temperança que só pode ser quebrada depois dos presentes já embalados e sob a árvore. Papai Noel é a ordem no caos natalino das comilanças, músicas chatas e luzinhas vomitivas.
            O problema com Papai Noel é que  os adultos incentivam as crianças a acreditarem no mito para depois destruí-lo implacavelmente. A saída do mundo infantil, no caso da crença em Papai Noel, dá-se em precoce idade, poucos anos após a retirada das fraudas e da chupeta. Mais ou menos na época de ganhar smathphone. Se um garoto chega aos 9, 10 anos acreditando no bom velhinho a família vai pensar que está diante de um idiota patológico e incorrigível. Certamente o retardado será levado a um psicólogo e se continuar muito excitadinho à espera da visita do velho barbudo vai entrar no Rivotril pra largar de ser besta. Feliz Natal.





segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Guerra nas estrelas: B





            Eu subscrevo a revista Bula, uma página virtual feita, creio, por médicos. Às vezes aparece uma matéria legal, um texto de ficção interessante, algo de poesia. Também é comum na revista aparecerem listinhas: os dez melhores livros, os doze melhores poemas, os livros mais citados que quase ninguém leu, etc. Num dia desses apareceu a lista das cem melhores canções brasileiras de todos os tempos. Assim como você, eu não dou bola para listinhas e assim como você, eu leio todas.
            Acho que essas listinha são um truque para atrair pessoas como você e eu. São milhares de visualizações e muitos comentários. Sempre tem alguém questionando os critérios de escolha ou sugerindo a inclusão de alguma preferência sua. Dessa listinha de que falo surgiu o comentário de uma moça que, inconformada com a falta de uma canção de seu grupo favorito, arguia:_"O Legião urbana existe, hein!?!?. Na cabeça da moça uma melodia do Legião urbana deveria competir com as de Pixinguinha ou de Tom Jobim. Uma letra do Renato Russo ombrearia com outra de Chico Buarque, Aldir Blanc ou Caetano Veloso. Você poderia alegar em favor da moça com problemas auditivos que tudo é uma questão de gosto, mas não é; é uma questão de estética.
            Mas se falta senso estético à moça que comentava na revista Bula, o que dizer de milhões (talvez bilhões) de pessoas que fazem fila para assistir Guerra nas estrelas? O dizer de alguém que se senta na sala escura ao lado de outros ridiculamente fantasiados e de espadinha em punho?
Como que um adulto pode querer passar por isso?
             Eu, devo confessar, não assisti a "saga" Guerra nas estrelas. Vi, isto sim, alguns minutos do primeiro filme realizado nos anos 80.e não foram necessários mais que alguns minutos para eu ter a certeza que se tratava de uma produção Classe B. Enredo, caracterizações, interpretações e o penteado da personagem principal não deixavam dúvidas: B.  Até o robô do Perdidos no espaço era melhor do que o robô magricela do filme de George Lucas.
            Guerra na estrelas estará, daqui alguns anos, na lista das dez mais vistas produções de segunda categoria da história do cinema.
         
         

domingo, 20 de dezembro de 2015

Caipisaquê de morango





            No programa Globonews Literatura o jovem escritor apresenta seu livro. Não é o titular do programa, Edney Silvestre, quem o entrevista e sim uma repórter. O rapaz fala da influência da música nos seus escritos e na tela aparece uma página da obra na qual se lê que fulano ou fulana escutava ........ Aí entra o título da música e do artista que a interpreta. Tudo em inglês. O jovem escritor diz que as citações musicais situam o leitor no tempo em que é passada a ação. (Bem, ele disse isso com outras palavras, mais no estilo "jovem escritor"). Para mim não situou nada. Talvez para jovens leitores de uma determinada classe social, com certo gosto musical e uma fixação em coisas gringas faça sentido.
            Mais adiante, outra página do livro é mostrada e lê-se no começo do parágrafo que fulano ou fulana brindava com uma caipisaquê de morango. Como não conheço o livro não posso saber se a frase estava escrita para pontuar a frescura de quem brindava ou era apenas casual. Como o nome babaca da bebida não estava entre aspas fiquei pensando que a frescura e o gosto são do jovem escritor.
            A menos que alguém me garanta que o bebedor de caipisaquê de morango é o mais infame, vil e sórdido vilão do livro eu jamais lerei a obra do jovem escritor. Não quero saber das aventuras ou desventuras de  um personagem que beba caipisaquê de morango. Aliás, não quero nem papo com quem bebe caipisaquê de morango.
         

sábado, 19 de dezembro de 2015

De meu





De meu carrego esse delírio
essa febre de lembranças
que visto com andrajos

Entre meus haveres
só conto essa súbita alegria
quando vejo teu rosto

No rol de minhas posses
consta apenas o desejo
de ouvir o teu riso

Como vês
tenho tudo.





Seus olhos





Seus olhos, quando sorri.
se fecham quase que totalmente
mas a luz que por entre as pálpebras filtra
é como dois círios para adoração
como duas fogueiras ao longe
como dois faróis
alumiando a escuridão








sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O grande baile





            A festa na casa grande corria animada há cinco séculos. Na Ilha Fiscal houve a troca dos leões de chácara e a chegada de novos convidados. As casacas já estavam prontas há muito tempo, só esperando a ocasião de estrear. Comendas e medalhas foram providenciadas para adorna-las. Os barões abraçavam os coronéis.
            Houve momentos em que alguns pensaram que o festim acabaria, mas os festeiros nunca se cansam e o buffet, sempre sortido, oferecia novas iguarias Na Nova República parecia que o baile granfino se transformaria num grande carnaval e o que se viu foi a volta do minueto e os mesmos dançarinos.
            Mas enfim chegara o dia. Gente do povo tomou a batuta do velho maestro, a cozinha veio para a sala e decretou-se que o lundu seria de pé no chão. Houve um silêncio. Os antigos convivas se sentiram incômodos naquele ambiente, mas como ninguém tratou de expulsá-los foram ficando por ali e aos poucos trataram de puxar conversa com os que chegavam à festa. Elogiaram a feijoada, que agora era servida como prato principal no banquete, provaram da branquinha e deram pro santo. Pronto, já eram todos amigos. _"Até que não são tão maus assim"_ pensaram os recém-chegados
            Com a mão no ombro e conversa ao pé do ouvido, os novos donos da festa foram sendo convencidos que bom mesmo era o caviar e aquele whisky nacional da escócia. E os violinos. Ah! os violinos. A cuíca deixou de roncar quando a grande orquestra voltou a animar o salão.
            Os novos barões, os flamantes doutores, a nova casta festiva até que leva jeito e já andou ensaiando uns passos à moda antiga; Um tropeço aqui outro acolá, nada de mais. Muitos já ostentam mansões e aparecem nas colunas sociais. Outros faturam alto nas palestras e consultorias. O mundo os cita e convida.
            Claro que nem sempre compartilhar o salão é coisa simples. Os donos hereditários da festança  puxam tapetes. Já não se mostram dispostos a dividir os acepipes com os que chegaram tarde. E esses, que já iam se acostumando à boa culinária e aos doze anos, não sabem como retornar à senzala. O feijão de outros tempos agora lhes sabe insosso.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Os premiados





            É dezembro. Certamente o mês mais chato do ano. Claro, depois vêm as festas, as roupas bonitas, a comida natalina, o porre de sidra. Mas enquanto rola o fatídico mês a chatice predomina. As reportagens dos telejornais sobre as compras de Natal, a pieguice dos anúncios publicitários, as frases feitas no facebook e as premiações. Ah! as premiações. Não há atividade humana que não seja objeto de alguma premiação nesse mês de acertos de contas. Entre os premiadores, os jornalistas estão na vanguarda. Cada um, na sua especialidade, se dá o direito de premiar.
            Não satisfeitos com a primazia de conferir lauréis para quem lhes pareça digno de recebe-los, os jornalistas também outorgam muitos e muitos prêmios a outros jornalistas. São tantas as associações, confrarias e entidades dos profissionais da imprensa que premiam os seus membros, que qualquer sujeito que exerça a profissão pode estar certo que algum troféu ou, pelo menos, um diploma de honra ao mérito vai levar para casa para orgulho da mamãe.
            Nas outras atividades profissionais há que se esforçar mais um pouquinho para receber algum galardão. Entre os políticos, por exemplo, são raros os meios de comunicação que premiam a operosa categoria. Deixo aqui minha colaboração para que não passem em brancas nuvens os esforços de nossos representantes e governantes e sugiro os seguintes nomes para o panteão da pátria.
            Na categoria "Político Escrotinho do Ano" não creio que haja discordâncias. Duvido que alguém possa apontar maior merecedor da honraria que o meu, o seu, o nosso Eduardo Cunha. Embora exista forte concorrência Cunha foi perfeito. Não houve quesito de escrotitude em que ele não pontuasse por encima dos demais. Nessa categoria, Jair Bolsonaro é hors concours, mas o político da caserna levaria o troféu "Boçal de Ouro" pela décima vez consecutiva.
            Entre os que contribuíram para que  o processo democrático parecesse qualquer outra coisa Paulinha da Força receberia condecoração na categoria "Pau Mandado Especial". O ano foi pródigo em políticos leva-e-traz, mas Paulinho venceria a disputa por carregar o nome no diminutivo, tão próprio para quem leva recados.
            O "Cara de Pau" de 2015 iria facilmente para Michel Temer que acumularia essa premiação com a de "Chororô Decorativo" e a de "Traíra Dourada" tornado-se assim o grande vencedor do ano.
            Entre as senhoras que horam a pátria com seu lavor nas lides políticas, Kátia Abreu seria nome certo para a categoria "Papel de Embrulhar Prego". A reconhecida grossura da dama da motosserra atingiu seu ápice num recente jantar de confraternização de senadores quando jogou um copo de bebida em José Serra, seu concorrente. Esse fato a tornou imbatível. Já a vejo caminhando pelo tapete vermelho com sua proverbial elegância no trajar, para receber das mãos de Rachel Sheherazade seu prêmio: um tacape confeccionado em ouro e pedras preciosas pelo artista plástico Siron Franco.
            O troféu "Porrada Educativa" seria dividido entre os governadores Beto Richa e Geraldo Alkimim, enquanto Marco Feliciano disputaria com alguns outros deputados, que preferem manter o anonimato, o cobiçado troféu "Meu Armário, Minha Vida".
            Outro nome incontestável é o de Delcídio do Amaral. O senador, entre tantos outros profissionais, levaria o "Boca na Botija de Ouro" por sua performance nas gravações do filho de Cerveró.
            Como em todas as premiações muita gente fica de fora dessa minha tentativa de fazer justiça àqueles que tanto contribuem para que a política nacional seja esse inacabável festim. Paciência. Logo teremos mais um ano inteiro para que Suas Excelências mostrem do que são capazes.
         

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Cento e onze tiros





Cento e onze tiros
matam mais que cinco meninos pobres.
cento e onze disparos de arma de fogo
matam mais que famílias e sonhos
cento e onze balas de fuzil e pistola
matam mais que uma nação
cento e onze cápsulas deflagradas
matam a dignidade humana.