terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A morte de Vítor, o genocídio continua.





            Durante a conferência sobre problemas ambientais que ficou conhecida como Rio 92, uma notícia abalou o país e principalmente os participantes da reunião global ligados às causas dos índios. Paulinho Paiakan, líder indígena mundialmente conhecido e premiado pela defesa das terras de seus ancestrais, estava sendo acusado de ter estuprado uma jovem. Tão logo o fato foi conhecido a revista Veja estampou na capa o rosto de Paulinho e a manchete: "O selvagem".
            Ninguém quis discutir que o crime de estupro é um crime tipicamente de brancos.  Que estupros são cometidos aqui desde a época da invasão em 1500 e ao contrário do que se depreende da manchete de Veja, não estava na "selvageria" de Paulinho a motivação ou o instinto para praticá-lo. Antes mesmo do julgamento do tribunal Paulinho Paikan já estava condenado por Veja, pelo senso comum, e pelos inimigos dos índios.
            Há poucos dias uma criança indígena de dois anos foi assassinada enquanto era amamentada por sua mãe. Veja não estampou manchetes. A imprensa em geral pouco ou nenhum caso fez do crime que dificilmente encontra paralelo em monstruosidade. Faz-se um silêncio ensurdecedor em torno do assassinato de Vítor como se fosse um acontecimento menor, uma fatalidade.
            Diferentemente de outros crimes cometidos contra índios que, depois da ascensão de Kátia Abreu ao Ministério da Agricultura, se tornaram comuns, a morte do pequeno Vítor deveria ao menos chamar a atenção pela brutalidade, pela monstruosidade.Não foi assim. A imprensa amiga do latifúndio, do agro-negócio, e das empreiteiras, silenciou. A sociedade que veste branco e faz passeatas pela paz quando um homem adulto, branco e rico é morto por ladrões, também silenciou. Os palpiteiros das redes sociais que têm chiliques cada vez que um animal é maltratado, silenciaram.
            Num grupo do facebook composto por moradores da minha cidade, que fica distante 30 Km de Imbituba, local da morte de Vítor, havia até pouco tempo indignados protestos contra os índios Guarani que, segundo alguns integrantes do grupo, estariam impedindo a duplicação da rodovia BR 101 no trecho do Morro dos Cavalos. Na verdade eram as entidades responsáveis pelas questões indígenas que faziam algumas exigências básicas para que a obra viária, que passava por terra Guarani,  não impactassem tanto a vida de seus habitantes. Houve quem escrevesse que as mortes na rodovia eram de responsabilidade dos índios que atrasavam as obras de duplicação.  Outros afirmavam, baseados em nada, que os índios de Morro dos Cavalos eram paraguaios. Sequer se deram ao trabalho de puxar conversa com estes índios que, assim como a mãe de Vítor, vêm vender artesanato na nossa cidade na época de veraneio, para constatarem que, além do guarani, eles falam mesmo é português.
            Numa outra ocasião, na Rádio CBN de Florianópolis, um muito satisfeito âncora entrevistava um desses vendedores de laudos sobre questões indígenas. Depois de expor seus números e dados prenhes de preconceitos e lugares comuns, o homem dos laudos pret a porter concluiu sua fala com a esdrúxula tese de que há um movimento organizado pelos índios para tomar o Brasil.
            Esses episódios são uma pálida amostra do clima em que vivem os índios em Santa Catarina. A morte de Vítor não comove nem mobiliza essa sociedade de descendentes de imigrantes que se julgam os donos da terra e da verdade.

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