quinta-feira, 24 de março de 2016

Os escravos de Jó e o ópio do povo





            As coisas iam bem para Jó. Colheita farta todo ano, a cotação do trigo lá em cima, esposas novas e os meninos todos crescidos e encaminhados na vida. O mais velho comandando o escritório da Judeia, o mais novo fazendo intercâmbio na Babilônia. Uma filha casada e outra de casamento marcado com um moço samaritano muito bom. Jó não tinha do que se queixar.
            Mas tinha a inveja e como já dizia o profeta Isaías, a inveja é uma merda. Muitos de seus vizinhos e concorrentes do agro negócio falavam dos privilégios de Jó. Diziam que em plena seca chovia na fazenda de Jó. Que quando ludo alagava, lá ficava sequinho. Insinuavam que detrás de toda aquela prosperidade tinha alguma coisa. Jó não falava nada.
            Eram tempos difíceis para os vizinhos de Jó. Como se não bastassem os impostos, as greves de escravos e as invasões do MJSN (Movimento dos Judeus Sem Nada), os fiscais do Ministério da Escravidão não davam sossego e multavam por qualquer coisinha. Um dia era um chicote fora do padrão da NBCF (Normas Básicas do Castigo Físico), outro dia era excesso de joio na alimentação dos escravos. A queixa era generalizada e todos diziam que estava ficando impossível ser produtor de alimentos em Edon. Jó não se queixava.
            Na casa de Jó reinava a paz e a harmonia e até seus escravos eram felizes. Seus detratores diziam que a passividade dos escravos de Jó era devido ao jogo. Os escravos de Jó jogavam caxangá, o esporte mais popular daquela época. O caxangá, segundo profetas e rabinos, é o ópio do povo. Daí o fato de Jó nunca ter enfrentado uma revolta daqueles que o serviam. Era o que diziam.
            Um dia apareceu um homem vindo de Belém ou Nazaré, não se sabe ao certo, e começou a falar com os escravos da região sobre os direitos que tinham e que deviam exigir que fossem respeitados. O homem não deixava ninguém em paz. Os escravos trabalhando e ele falando. Hora do almoço o sujeito falando. Na quermesse da sinagoga continuava arengando. Os proprietários o expulsavam e iam reclamar com as autoridades. Jó não o expulsou nem reclamou.
            Mas o tal homem era um chato.  Até no campeonato de caxangá ele apareceu pra fazer discurso contra a escravidão. Aí já era demais. Do meio da multidão que acompanhava o emocionante prélio Vindimas de Uz X Pastores Alegres, alguns começaram a gritar e as vozes se multiplicaram:_Vai pra Galileia.

         

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