segunda-feira, 7 de março de 2016

"Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido"





            Eu tinha saído do trabalho em Botafogo, direto para o comício. Desci do metrô na Cinelândia para ver se encontrava algum amigo bebendo por ali. Como não achei ninguém entre a multidão fui descendo a Rio Branco, que estava fechada para os automóveis, rumo à Candelária. O vai e vem eta intenso. Mais vai do que vem. No caminho fui reparando nas mulheres que caminhavam pela avenida. Não reconhecia nelas as companheiras de outras passeatas e comícios que naqueles tempos eram quase diários. Não via os rostos jovens, os jeans, as cabeleiras ao vento. Não as havia visto no comício pela anistia nem nas passeatas pela legalização dos partidos comunistas. Nunca as encontrara numa celebração do 1º de Maio..Eram senhoras bem vestidas e penteadas. Eram madames, eram dondocas, eram (ainda que o termo não fosse utilizado) peruas e outras categorias indefiníveis que vinham se manifestar pelas eleições diretas.
            Lembro que me ocorreu que aquelas senhoras, muito provavelmente, estariam na marcha da família com Deus pela liberdade vinte anos antes. O fracasso econômico da ditadura, a censura, a repressão que acabou por atingir também os filhos da classe média e da burguesia e as promessas incumpridas fizeram com que aquelas senhoras mudassem de lado ou, pelo menos, abandonassem as certezas da redentora e viessem correr os riscos da democracia.
            Por uns momentos me senti deslocado no meio daquela gente chic. Os vestidos de botique, os penteados, a maquiagem das senhoras e das peruas me fizeram crer que eu estava no comício errado. Mas diante do palanque ouvindo o Doutor Sobral Pinto,do alto de seus oitenta anos citar o preâmbulo da constituição ("Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido") o incômodo que sentira por dividir o mesmo lugar com aquelas personagens desvaneceu-se e me emocionei: tive a certeza que sempre estivera do lado certo. O estranho no ninho não era eu.
            Hoje, os que batem panelas desde suas varandas gourmet e insuflam o ódio à presidenta Dilma e ao ex-presidente Lula me fazem pensar naquelas senhoras descendo a Rio Branco. Se tudo sair como eles querem, se o golpe prosperar ou, como sonham os mais obtusos, houver uma intervenção militar, certamente os encontrarei na Rio Branco dentro de vinte anos.
         

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