sábado, 19 de março de 2016

Um manifestante





O sujeito vai à manifestação e o primeiro que vê é uma faixa com os dizeres "cadeia é pouco, fuzilamento já". Não que ele tenha saído de casa com a certeza que a solução para o país seja fuzilar pessoas, mas aquilo vai-lhe entrando no cérebro pouco acostumado ao pensamento crítico e ao pensamento de um modo geral. 
Mais adiante o cidadão que marcha pela pureza das instituições e contra a corrupção vê uma senhora, uma típica senhora da classe média, certamente avó, levando um cartaz que pergunta ""porquê (sic) não mataram todos em 64?" Ele, que meia hora depois de ter pisado na avenida, já se sente um herói guerreiro lutador das boas causas, cruza com neo-nazistas que se auto intitulam carecas não sei de onde, com ex-torturadores da ditadura que debocham dos direitos humanos e dos presos políticos do regime militar levando cartazes e faixas feitas sob encomenda em boas gráficas, com gente que tira "selfies" com os policiais do choque, do Bope ou da Rota. 
Esse homem de bem (sim, ele não tem dúvidas sobre isso) vai aos poucos incorporando os discursos que são proferidos do alto dos carros de som por milicos de pijama, pastores e bispos de araque, sub-celebridades, delegados de polícia que se tornaram deputados e estridentes candidatas às capas das revistas masculinas. Ao passar por um grupo de bombadões de academia que marcham gritando palavrões contra a presidenta e seu partido, o homem está convicto de seu papel histórico. Ele já sabe que esse negócio de fora fulano, fora sicrano não é suficiente. Ele não quer ser menos macho que os carecas, que os bombadões, que a senhora fuziladora de comunistas. Ele quer sangue. 
Ao regressar para casa esse combatente da justiça ainda tem a chace de participar do espancamento de um casal que tem pinta de petista. O soco que dá passa no vazio e o chute que desfere toca de raspão na bunda da moça que tenta correr. Mas ele sabe que cumpriu seu dever cívico. 
Já no apartamento, com a testosterona a vazar pelos poros, ele abraça forte a mulher que não pode ir protestar porque a babà preguiçosa não quis fazer hora extra no domingo e a sogra, metida a feminista, disse que não podia ficar com as crianças naquela hora e desligou o telefone sem dar explicações. Nessa noite sua virilidade está no ápice e ele fode. Fode como nunca fodeu.

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