domingo, 5 de junho de 2016

A carestia na infância





            Falam que as crianças de hoje comem muita porcaria, muitos doces, muito açúcar. Dizem que antigamente era diferente. Não era bem assim, posso afirmar, e me refiro a fatos de mais de 50 anos atrás.
            Quando eu tinha uns 8 anos aprendi com um amigo a tirar todo o miolo do pãozinho e enchê-lo de açúcar. Depois aprendi que se podia fazer o mesmo com o tomate. Era só cortar a extremidade e enfiar o dedo para arrancar sementes e o que mais havia e meter o açúcar cristal. Ficava uma delícia.
É certo que não tomávamos refrigerantes. Isso era para os meninos ricos. Nós tomávamos Ki-suco e púnhamos açúcar no Ki-suco. Muito açúcar.
            Antes de conhecer esses truques açucarados o doce mais apreciado vinha daqueles pirulitos em forma de cone que eram vendidos nas ruas enfiados num tabuleiro todo furado. Quem já provou sabe que havia que comer também o papel que os envolvia e não desgrudava do pirulito por nada desse mundo. Algodão doce só quando aparecia a carrocinha no bairro, o que raramente acontecia. Em casa minha mãe fazia banana caramelada e nos aniversários e outras festas havia brigadeiro, cajuzinho e língua de sogra feitos por minha avó. E tinha as balas.
            Balas sempre foram baratinhas. Meu pai todo dia quando saía para trabalhar, depois de ter almoçado em casa, me dava uma nota de 1 cruzeiro para comprar balas. Ainda me lembro daquele bilhete azul com a figura do Almirante Tamandaré. De vez em quando eu ganhava uma nota de 10 e então era a dúvida: um Diamante Negro com seus cristais que estalavam nos dentes  ou um Laka, branco e pegajoso que grudava no céu da boca? Mas essa prodigalidade só ocorria , creio, quando meu pai recebia o salário; o ordenado, como se dizia então. No dia a dia era o Almirante, e no  bar da esquina da Rua Platina eu comprava 5 balas com aquele cruzeiro.
            Um dia o vendeiro em vez de me entregar as 5 balas de sempre me deu apenas 3. _"Agora é 3 por 1 cruzeiro", ele disse. Fiquei decepcionado. De noite contei para meu pai, mas no dia seguinte recebi dele a mesma nota do Almirante Tamandaré. Passei a odiar o Almirante e seu baixo poder aquisitivo. A inflação, que naquela época era conhecida por carestia, vinha turvar minha infância. Naquele dia, senti o mesmo que sentiria o Michelzinho se viessem lhe contar que sua carteira de imóveis estava reduzida a um quarto e sala no edifício Copam.




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