quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Juninho no McDonalds





            Era um documentário sobre a Rússia que eu já peguei começado. Uma câmera colocada dentro de um automóvel mostrava um enorme fila. O carro avançava e a fila não terminava. Minutos e mais minutos e a fila continuava. Pensei que se tratasse de alguma crítica sobre a precarização dos serviços de saúde naquele país ou, quem sabe, era a população buscando auxílio desemprego ou algo assim. Que nada. Após muitos minutos de câmera ligada e carro rodando pude ver que se tratava de uma fila para a inauguração do McDonalds em Moscou.
            Eu também fui ao McDonalds quando a rede de lanchonetes abriu suas lojas no Rio. Claro, não foi no dia da inauguração, mas uns meses depois. Fui e nunca mais voltei. Achei tudo ruim pra burro. Depois da experiência com o insulso sanduíche e o refrigerante aguado por quilos de gelo, quando batia a fome da madruga e não havia um Angu do Gomes por perto, eu buscava aquele ovo cozido em algum botequim honesto..
            Sei que esse negócio de paladar é que nem cu: cada um tem um. Conta a lenda que existe gente que gosta de sushi e tofu se bem que não há estudos confiáveis que confirmem isso. No caso da lanchonete americana imagino que haja quem goste das iguarias lá servidas, mas ainda assim é incrível que os consumidores não se revoltem com a propaganda enganosa. Na publicidade exibida na TV e mesmo em fotos dentro das lojas, os sanduíches têm, no mínimo, o dobro de tamanho e sua aparência é muito mais convidativa às mordidas do que os que são servidos. Mas os consumidores nada dizem e fazem fila. Por que se deixam enganar? Ora, é a propaganda que faz isso. A propaganda pode tudo quando trata com os menos críticos, com os distraídos e com os sugestionáveis.
            É a força da propaganda que explica que alguém vote no João Dória, o Juninho, e vá ao McDonalds.. Tal qual o sanduíche mixuruca, o candidato que lidera as pesquisas de intenção de votos em São Paulo, é uma farsa, uma enganação. Sem a propaganda seria impossível tragar o sanduíche e o playboy cafona, mas graças aos publicitários e marqueteiros lá estão eles: no topo das preferências.





segunda-feira, 26 de setembro de 2016

As palavras que amo





Procela plangente
estuário alvinitente
apologia
hemoptise sarcófago
amuleto Candomblé
Orgia arguto
malandro meandros
carambola
Ciprestes andrajos
sinecura apanágio cronologia
Carnaval
Algibeira circunlóquio
bunda vagabunda
Hermafrodita Súcubo sátiro
Oboé


Perfil





            Já sou velho. Não digo gratidão em vez de obrigado, acho bobo. Não envio vibes nem good nada. Não suporto ouvir namastê e outras orientalices. Não como com pauzinhos nem a pau. Acho esse negócio de cerveja artesanal muito metido a besta. Quando leio empoderamento e resiliência quase tenho um troço. Não acho que tenha a obrigação de ser feliz nem de me reinventar. Não uso vinagre balsâmico nem como broto de porra nenhuma. Não idolatro cachorros. Não freqüento a barraca dos orgânicos nem o restaurante natural. Fumo e bebo cerveja barata. Homem barbado andando de skate me dá asco. Não tenho tatuagens. Não faço yoga. Gosto de futebol e mulher sem calcinha. Jogo guimba na rua, mijo na rua, cuspo na rua. Gosto da rua. Não separo o lixo, ou melhor, separo do lixo o que preciso. Ouço músicas antigas, falo gírias antigas. Tenho paixões antigas. Gosto de coca-cola, empadinha de galinha e pimenta.  Não vivo sem feijão nem samba. Leio poesia. Não leio jornais. Escuto o Odair José e o Roberto Carlos e acho o Renato Russo o fim da picada. Tenho manias, fetiches e implicâncias. Nunca tenho dinheiro. Cultivo rancores, manjericão e erva cidreira. Me emociono com Janis Joplin e Clara Nunes. Choro ouvindo Nana Caymmi e Isaurinha Garcia. Simpatizo com os gays, admiro as lésbicas e amo as travestis. Nunca li Proust nem Haroldo de Campos. Li quase tudo do Bucowski e do Isaac Bashevis Singer. Meu poeta favorito é João Cabral. Não tenho diplomas. Nunca usei gravata. Não sei dirigir. Sou ateu, mas gosto do candomblé. Prefiro cinema brasileiro, mas acho Terra em transe um saco. Entre Rita Cadilac e Gisele Bunchen fico com a chacrete. Considero a bicicleta, a máquina de lavar e a sardinha em lata as três maiores invenções da humanidade. 




domingo, 25 de setembro de 2016

Os ex-paneleiros e a cidade aberta.





            Já faz um tempo. Dois ou três anos. Eu escutava a Ivana Bentes falando num programa de TV. Não lembro qual era o tema da discussão, mas num determinado momento a professora citou um filme que é um dos meus favoritos: "Roma, cidade aberta" de Rosselini. Disse Ivana que quem assiste o filme tem a impressão de que havia naquele momento da história italiana um governo fascista e uma sociedade anti-fascista, nas que a impressão é equivocada e que o governo dos camisas pretas tivera e continuava a ter, mesmo naqueles dias finais do regime infame, grande apoio popular.
            Confesso que nunca havia pensado no filme sob esse ângulo. Toda vez que o recordo me vem à mente aquela última cena protagonizada por Anna Magnani em que a personagem corre desesperada pelo destino de seu amado. É cena para se assistir com a respiração presa, num só fôlego. Um dos momentos mais belos e tocantes do cinema italiano. O que disse  Ivana Bentes não turvou meu fascínio pelo filme, apenas me chamou a atenção para a questão da auto-imagem que têm as sociedades.
            Na produção de 1946, Rosselini queria que aquilo tivesse sido verdade. Queria que seus compatriotas tivessem agido daquela forma, execrando o regime que por mais de doze anos comandou a política de seu país, mas simplesmente não fora assim. O regime fascista foi apoiado pelo povo italiano até seus estertores. Claro que esse apoio diminuiu com o desenrolar da guerra e das agruras pelas quais a população teve de passar.
            Entre nós aconteceu o mesmo com relação à ditadura civil-militar começada em 64. Quem hoje assisti aos documentários sobre as multitudinárias manifestações pelas eleições diretas poderia supor que durante todo o tempo em que durou o regime de exceção a sociedade brasileira era crítica com relação aos governantes de fato e suas políticas. Na verdade o que viabilizou o movimento pelas dietas foi a crise econômica que o país vivia depois de alguns anos de "milagre brasileiro". A classe média já não usufruía das benesses da ditadura, a bolsa de valores deixou de produzir novos ricos e a repressão desenfreada  também matava jovens e profissionais vindos das classes mais abastadas. Criou-se um caldo de cultura que, jogando o povo nas ruas, possibilitou o fim do regime. Como não foi um movimento político organizado o fim do regime pode ser negociado mantendo em posição de destaque na cena pública figuras que sempre apoiaram qualquer regime e quaisquer métodos  que lhes garantisse os privilégios de classe. E aí estão até hoje. E não só no congresso, governos e prefeituras. Estão também nas ruas, nas varandas gourmet e salões da casa grande.
            Hoje, ex-paneleiros fazem coro de "Fora Temer" como se a presença do decorativo no comando da nação não fosse, em grande parte, por obra das panelas e passeatas verde-amarelas que esses neo democratas protagonizaram ao lado de Malafaia, Bolsonaro, Alexandre Frota e outros que tais. Não me comovem.