terça-feira, 25 de julho de 2017

Música



Eu passaria horas seguidas
escutando
a melodia sinuosa
o som grave, quase áspero
o tom cortante e impositivo
os silêncios perturbadores
a cadência marítima
a harmonia luminosa
a música
de tua voz.







quinta-feira, 20 de julho de 2017

Memórias II





            Agora me lembro. Eu continuei morando com os caras. Foi nesse mesmo lugar que transei pela primeira vez  com a Aninha. Ainda doía a separação com a Moça mais bonita de Copacabana, mas, sabe como é, eu gostava da fruta
            Aninha era uma paulista baixinha, gordinha e sexy. Também militante da Convergência Socialista como os caras com quem eu vivia. Nosso relacionamento não era namoro. Era uma amizade colorida, como estava na moda naqueles dias.  Depois daquela primeira transa  seguimos  transando, ora no apartamento do Catumbi, ora em sua casa. Ela morava em Niterói, na Alameda São Boaventura. Depois se mudou pra outro endereço na antiga capital fluminense.
            Na Alameda passamos bons momentos. Aninha financiava uns almoços num restaurante da área que servia um strogonoff de camarão da pesada. Estreei com ela o novo apartamento. Foi num dia que nos encontramos no centro do Rio. Acho que foi no Amarelinho ou no Circo Voador. Como eu me encontrasse totalmente bêbado, Aninha falou pras amigas que ia me levar apenas pra me  por  na cama. Que nada! Transamos como nunca naquela madruga e fomos acordados pelo porteiro, porta-voz dos indignados vizinhos que tinham assistido nosso amor pela janela ainda sem cortinas.
            Mas o que eu queria contar é outra coisa ocorrida na casa do Catumbi.
            Como eu não contribuía financeiramente pra nada, tentava ser útil em outras coisas. Dava umas arrumações, lavava o banheiro e mantinha a cozinha em ordem. A rapaziada trabalhava e militava o dia inteiro e só vinha pra casa altas horas. Todos chegavam sempre alegres. apesar do cansaço e dos riscos da militância naqueles dias bicudos da ditadura.
            Um dia achei umas coisas na geladeira e fiz uma sopa de sustânça  Modéstia às favas, eu me viro bem na cozinha. Não sei fazer nada de especial, mas mando bem no trivial simples. Justo naquela noite, Ciro Garcia e Maurício tinham levado as namoradas pro nosso bioco. Todos e todas elogiaram a sopa. Na manhã seguinte, pus a panela de molho pra desgrudar os restos que ficaram agarrados no fundo e me mandei. Dormi na casa de uma moça que havia conhecido dias atrás.
            Quando voltei na noite seguinte, fui novamente elogiado pela sopa. O pessoal havia comido o resto que eu havia deixado de molho pensando que era a sobra do rango do dia anterior. A grana era pouca, a fome era muita.  Eu não falei nada. Recebi os elogios e fui dormir.
            Tempos depois, nesse mesmo apartamento, houve a briga com a Magda que me levou outra vez pro Souza Aguiar e pro olho da rua.
           

Memórias





            Foi um tampo difícil. Eu não tinha onde morar. Andei uns dias dormindo na praia e meu amigo Maurício me deu uma cobertura. Me chamou pra morar no apartamento que ele dividia com o Mancha Negra e o Ciro Garcia, ali entre o Catumbi e Santa Teresa.
            Eu não tinha emprego, não tinha guarita, não tinha nada, estava fudido, mas namorava a moça mais bonita de Copacabana. Um dia, pisei na bola, pisei feio na bola e perdi a moça mais bonita de Copacabana. Bêbado, tentei me matar cortando o pulso, só um. Acordei numa escadaria próxima do lugar onde vivia; aquela buceta aberta no braço. Tinha saído do apartamento pra não provocar problemas pros caras com quem vivia. Desci o morro e fui esperar condução que me levasse pra algum hospital. Cheguei na Itaperu e uns caras que estavam do outro lado da rua vieram me assaltar. Um deles chegou na boa  e disse que só queria uma grana pra cerveja. Ao ver a buceta aberta no meu braço e ouvir minha explicação, o cara ficou solidário e parou um táxi
            Eu fui logo dizendo pro taxista que estava duro, que ele podia me deixar no próximo ponto de ônibus, que eu me virava, mas o cara foi legal e me levou até o Souza Aguiar. Era a segunda vez que eu dava entrada ali. Outra bebedeira, outra costura numa madrugada de sexta pra sábado.
            Saí do hospital e já sabia o caminho do botequim mais próximo. depois daquela 51 tem uma lacuna na memória. Não lembro sequer se continuei morando com os caras.
             

terça-feira, 18 de julho de 2017

Karnal, o comunista improvável





            Eu gosto do Leandro Karnal. Admiro seu humor, os temas que aborda em suas palestras e principalmente admiro no calvo professor algo que me falta: cultura. Sempre que encontro alguma manifestação sua, assisto, leio, escuto e, apesar de minha pouca acuidade, vou aprendendo algo com ele. Ademais, Karnal é um tipo de personagem em extinção: o conservador lúcido.
            Ontem, me deparei com um áudio no qual Karnal falava para um programa de rádio sobre a condenação de Lula e outros episódios da vida política brasileira nesses dias interessantes que vivemos. Não sei qual rádio era nem o nome do programa e tampouco quem era o jornalista que o entrevistava. O áudio estava numa página do youtube que pertence a um grupo de direita que se chama "A resistência". Pelo que entendi, Karnal fala com regularidade no tal programa.
            Para dizer a verdade quase abandono a audição por vergonha alheia. Acontece que já no primeiro minuto o jornalista confundiu o Paraguai com o Uruguai. Mas, como não havia ninguém por perto e eu estava usando fones de ouvido, segui escutando.
            Ainda que constrangido não pude concordar nem com os enunciados do jornalista ruim de geografia nem com as respostas do mestre. Karnal é um otimista profissional e eu, devo admitir, ando num pessimismo de dar nojo no que tange ao futuro do país.
            Mas com Karnal e outros de sua estirpe, aprendi que discordância é algo bom se fizermos dela um estribo para o pensamento crítico. Infelizmente, creio que estou entre uma minoria que. tal qual o conservador lúcido, se encontra à beira da extinção. Cheguei a esta conclusão lendo os comentários de outros que supostamente ouviram o áudio.
            Como já disse a fala de Karnal estava hospedada numa página de direita. Da direita mais botinuda. Dos quase vinte comentários que li, uns quinze deles chamava Karnal de comunista, de esquerdista, de professor doutrinador marxista.Muitos pediam seu exílio em Cuba (criticada por ele no áudio) ou seu fuzilamento.
            Mesmo que eu nunca tivesse escutado as palestras e outra falas de Karnal. ainda assim, sua participação no programa não teria me deixado dúvidas de ser ele um conservador, um homem a quem o comunismo causa, no mínimo, rechaço. Homem acostumado à cátedra e às palestras, Karnal é didático e sabe expor o que pensa como poucos. Só mesmo alguém totalmente desprovido de cérebro pode chama-lo de comunista. Fica claro nas opiniões dos ouvintes da rádio e leitores do grupo direitista que quem não é boçal, é comunista. Que quem não xinga é doutrinador marxista. É por causa desses comentários e outras manifestações de meus compatriotas que ando pessimista quanto ao futuro do Brasil e da humanidade que aqui habita.